O tal CAFÉ !!!
- Minha querida amiga, tenho andado com grande peso na consciência de não ter tido oportunidade de me despedir de ti como gostaria, mas chego à conclusão que nem eu, nem tu, seriamos suficientemente fortes para isso, e como tu me disseste na nossa ultima conversa telefónica, preferias que eu te recordasse como sempre te conheci. Mas sabes, nestas situações, acho que ainda que aqueles que amamos estejam bem diferentes e marcados pela doença, a imagem é sempre a que temos no coração, isso já aconteceu com um amigo comum, que estava bastante transfigurado, mas aos meus olhos era exactamente o mesmo.
- Ainda me lembro, no inicio dos anos 80, quando nos encontramos pela primeira vez, trazias a tua filha na infância, e a minha era mesmo recém nascida, aí, começou uma relação entre nós, que só mesmo a partida de uma poderia afastar-nos, poderia ter sido eu, mas tu partiste e eu fiquei por aqui.....ainda.
- E nem chegamos a ir beber o tal CAFÉ, por aqui!!!
- Ainda tenho na minha memória, o barulho dos travões do teu velho citroen diane, castanho, que começou a parar à porta da minha loja, todos os dias depois das 17,00 h, ainda me recordo dos muitos petiscos de conservas de sardinhas, que partilhávamos ao jantar, assim como aquelas carradas de telefonemas anónimos que fazíamos a conhecidos e amigos, do telefone fixo da minha casa, nas longas noites de inverno, riamo-nos de tudo e de nada, bons tempos que passamos juntas.
- Recordo-me os teus dias complicados pela doença e morte da tua mãe há muitos anos e bem mais recente, do teu pai também, fui muitas vezes o teu ombro, e outras tantas, tu o meu.
Ainda me lembro o que aconteceu no dia, em que me contaste que tinhas perdido um filho!!!
- As nossas conversas ficavam sempre a meio, nunca conseguimos acabar os nossos assuntos, tínhamos sempre mais alguma coisa a dizer. Os amigos são assim, quando são verdadeiros, são cúmplices, e queremos falar sempre tudo, mesmo em pouco tempo.
- Passamos muitas coisas boas, mas também muitas sofridas, estavas sempre pronta para tudo o que te pedisse, eras incapaz de dizer não fosse ao que fosse.
- A vida põe no nosso caminho certas presenças de amigos, que se tornam indispensáveis ao nosso dia a dia, fazem parte do nosso percurso de vida, como seres humanos, para depois, com toda a brutalidade nos retirar fisicamente essas presenças, e deixar-nos desmembrados, perplexos, e ao mesmo tempo, avivarmos a nossa consciência de que estamos aqui apenas de passagem, e que nesta passagem deveríamos aproveitá-la
da melhor forma possível com aqueles que amamos, e sobretudo, fazê-los sentir o quão imensa é a nossa partilha de emoções e afectos, neste caso concreto, eu sei, mas tenho a certeza, que tu também sabias, ainda nos chamamos de "amor" uma da outra, algumas vezes, talvez por brincadeira, mas isso hoje, tem um peso enorme, e ainda bem que assim foi.
- Um dia, quando nos voltarmos a encontrar, vou querer levar aquele cachecol que me fizeste no teu crochet primordial, assim como aquela pulseira trabalhada de estanho que me ofereceste no dia do meu aniversário, certamente terás no teu regaço, um ramo de gerberas cor de rosa, iguais àquelas que fazias questão de me comprar.
- Entretanto, vou pensando em ti, já tenho uma saudade imensa, mas como tu dizias há alguns meses atrás: " um dia temos que marcar, para beber um café!!!" que acabou por não acontecer, mas nunca me esqueci desse compromisso, por isso, o nosso café, continua de pé !!!
- Quando chegar a altura......certamente te telefonarei e te direi: Alice, estou pronta para beber contigo o nosso café!!!!